10.1.24

Chegada em Dominica

 

Minha irmã recuperou uma página de um dos meus diários de viagem. Vou colocar aqui:

(desculpem, pra variar eu escrevi demais) 

 

O vôo

Depois de quase 19 horas de viagem (para mim) e 15 para o Thiago, chegamos no Paraíso. Apesar de longa e cansativa, a viagem foi até que tranquila (pegamso um vôo da Tam até Miami, depois um vôo da American Airlines até Porto Rico, onde nos separamos momentaneamente – Thiago seguiu com a American Eagles, associada à AA, direto para Dominica e eu vim em um vôo da Liat Airlines, com uma parada em Antigua. Fiquei em Porto Rico 3 horas, esperando o horário do vôo, e fiquei impressionada com a opulência do território Norte-americano na América Central; Porto Rico não é um ilha tão pequena… o aeroporto em San Juan (SJU) é enorme e bastante organizado. Vi muitos franceses, canadenses, porto-riquenho e muitos, muitos norte-americanos gigantes.

Na pequena aeronave da Liat, entraram alguns turistas canadenses, alguns turistas que falavam espanhol, e muitos cidadãos caribenhos. A Liat airlines faz vôs entre as ilhas, e as aeronaves vão “pingando” de ilha em ilha (o vôo 536, que eu peguei, partia de Porto Rico, passando por Antigua, Dominica e Barbados) em aeronaves do tipo Bombardier Dash 8-300, para cerca de 50 pessoas (por dentro, parece um ônibus). A moça que sentou ao meu lado no primeiro trecho, estava retornando de uma conferência de igrejas em San Juan, e cumprimentou a pelo menos umas 10 pessoas que entraram no vôo, assim como toda a equipe de bordo. Além dela, muitas pessoas se cumprimentavam como se já se conhecessem – todos, exceto os turistas.

O vôo de SJU à Antigua foi um espetáculo – logo que decolamos pude ver pela janela a cor e a tranparência do mar do caribe. Sobrevoamos muitas pequenas ilhas até chegar em Antigua (1h20 de vôo), sentei na parte da frente da aeronave, bem próxima das barulhentas hélices – não sei se há algum lugar mais silencioso… o fato é que a vibração provocada pela turbina (?) é um pouco assustadora. A comissária falava inglês, mas eu não entendi quase nada, por causa do forte sotaque. Logo que começou o desembarque, a capitã chamou a comissária e pediu para parar o desembarque, porque a aeronave estava perdendo o nível – o bagageiro estava tão pesado (no fundo) que, assim que começou a diminuir o peso da cabine, a aeronave, literalmente “empinou”. Ficamos então esperando as bagagens serem retiradas antes de poder desembarcar. Ao pisar em Antigua, já deu para sentir um pouco do clima da viagem – estava quente! Também lá foi que notei que todos eram negros, menos os turistas.

Rapidamente fizemos a conexão, e entramos novamente aeronave da Liat rumo à Dominica. Consegui sentar na janela (os lugares não são marcados), no primeiro assento do lado direito da aeronave e fiquei os 50 minutos de vôo com a cara grudada na janela. O sol estava se pondo, promovendo, com as nuvens, um fantástico espetáculo de luz e sombras sobre a superfície oceanica. Passamos por poucas ilhas pequenas e duas ilhas maiores – todas majoritariamente planas, apenas uma tinha uma modesta cordilheira de montanhas (imagino que seja Guadaloupe) e, lá do alto, consegui visualizar alguns recifes de corais.

O vôo alcançou as montanhas de Dominica exatamente às 18h, e eu fiquei literalmente de queixo caído com a beleza e a imponência das montanhas no meio do oceano. Ao sobrevoarmos a ilha, vi algumas casas, afastadas umas das outras, como na zona rural. A paisagem que vi, estava repleta de áreas cobertas com vegetação nativa, especialmente no fundo dos vales. Avistei também muitas plantações de banana em aparente monocultivo e muitas palmeiras (depois percebi que são coqueiros). A primeira impressão que tive da ilha foi justamente de que ela não é tão pequena quanto eu imaginava (difícil imaginar, são 750km2), mas ao mesmo tempo, mantinha a natureza muito mais conservada do que eu pensava…

 

A chegada

O aeroporto de Dominica é uma construção muito charmosa, feita no estilo arquitetônico local (não sei como chama), e é bem pequeno, constituído por apenas um grande salão de cerca de 60m2, lá, rapidamente passei pela imigração e retirei a mala na pequena esteira (não cabem todas as malas, então algumas pessoas tiveram a iniciativa de ir retirando as malas da esteira e acomodando-as no chão, para liberar o fluxo). Assim que passei pelas portas de saída, encontrei com o Thi – e tudo o que eu conseguia pensar era: Hello Paradise!!!

Thiago já estava na ilha desde as 15h30, e já tinha ido com o motorista da embaixada e um colega de trabalho, deixar as coisas no hotel. Não sei se ele teve tempo para fazer mais alguma coisa, mas imagino que tenha apenas feito chek-in no hotel e retornado ao aeroporto para me buscar. O aeroporto fica na parte oposta da ilha (se desenharmos um X sobre o mapa da ilha, a capital Roseau, onde estamos, fica na parte inferior esquerda, sobre a linha / e o aeroporto fica no extremo oposto, no canto superior direito – olhem no mapa: http://maps.google.com/maps?q=dominica&hl=pt-BR&ll=15.3471,-61.32019&spn=0.188715,0.308647&geocode=+&hnear=Dominica&t=m&z=12)

O Thi me apresentou o motorista Edwin, e me acomodou no banco de trás do carro (onde correira maior risco de enjoar por causa das curvas, mas eu quis ir atrás mesmo assim).  Ao virar a primeira (de MUITAS) curvas, passamos por um riacho pedregoso, lotado de aves brancas (com o porte de garças, mas diferentes). A paisagem estava deslumbrante, logo beiramos uma praia onde, ao mesmo tempo que o sol se punha para trás da gente, a lua cheia subia no horizonte, enorme!

Edwin veio respondendo às minhas tímidas perguntas (vocês me conhecem, estava cheia de curiosidade, mas tímida e por ter que perguntar com meu inglês macarrônico) e Thiago veio me contando o que já havia descoberto sobre a ilha. Como Dominica foi colonizada pela Grã Bretanha, até um passado bem passado recente (sua independência data de 3/11/1978), os carros e as vias operam na mão inglesa (o motorista fica do lado direito do carro e a mão correta para andar na via é pelo lado esquerdo). É bem estranho, como a estrada é muito sinuosa, levamos alguns sustos todas as vezes que cruzamos outros carros…

Logo percebi que não é à toa que a ilha tem o apelido de “The Nature Island of the Caribbean”, a vegetação é bastante preservada - deduzimos que isto se deu e dá justamente pelo fato do terreno ser tão acidentado (também porque há na ilha duas grandes reservas florestais, um parque nacional e um território indígena, claro, mas imagino que isto são categorias mais recentes de preservação – a ver, a ver…).

Nesta parte da ilha, as casas todas têm um padrão arquitetônico bem marcado, são casas de madeira, algumas com base de pedra, com treliças na varanda e, em sua maioria térreas. O primeiro trecho do caminho – a parte costeira, realmente dava a impressão de ser uma cidade litorânea bucólica. Com uma casinha aqui, uma fogueirinha ali, jardins bem cuidados pra todo lado…

Mais à frente, Edwin parou em uma bifurcação para perguntarnos em qual trajeto seguir, ao que o Thiago respondeu: “o mais rápido” (ainda assim, levamos cerca de uma hora para chegar ao hotel). Edwin segui à direita nesta curva, se afastando da costa e entrando em uma estrada que margeia a “Central Forest Reserve”, em um trecho com realmente poucas casas ou pessoas. A maior parte da estrada está asfaltada, mas vários trechos estão em obras – especialmente onde há aclives e declives mais acentuados. Basicamente o trajeto foi mata, curva, subida, mata, curva, subida, mata, curva, subida, mata, curva, descida, mata, curva, descida, mata, curva, descida…

Depois de muito subir e muito descer, chegamos à Canefield, já na zona periférica de Roseau, no lado esquerdo da ilha (não sei se é um bairro, um distrito ou outra cidade). Canefield já tem um jeitão mais urbano – se vc pensar numa cidade de praia, por exemplo – o declive é muito acentuado, então as casas estão encrustradas na encosta. Há uma pequena área plana, também repleta de casas. Passamos pelos primeiros comércios de todo o trajeto e por algumas mirradas plantações de cana-de-açúcar. Thiago contou que hoje há poucas plantações voltadas à produção de Rum, mas que antes havia mais. Passamos por uma construção similar à uma usina, com grandes tonéis, um barzinho, mercado, alguns bancos (todos estrangeiros) e um museu. Já havia anoitecido, algumas pessoas estavam ouvindo música nos carros, outras reunidas nas varandas das casas, mas novamente, me dei conta de que aqui, todo mundo é negro (não que eu não imaginasse antes, mas não tinha noção de como sentiria esta diferença, não é que é que nem Salvador… não, até agora não vi um branco, ou mulato que não fosse turista. Mesmo turistas, só vi no hotel, nas ruas, não vi.).

De Canefield para Roseau foram menos de cinco minutos, sempre em área bastante urbanizada. A arquitetura das casas tornou-se menos homogênea, com algumas casas “menos trabalhadas” e as casas naturalmente mais próximas umas às outras (com a notável excessão da embaixada da China, um prédio enorme que se destaca muito, em estilo bem diferente – quando der tiro uma foto para mostrar para vocês). Calçadas são raras, e ao lado da embaixada brasileira estão a rádio local, a Dowasco (companhia de água e esgoto), a embaixada da venezuela e um campo de futebol (que localmente é chamado de “stadium”, mas não vi nenhuma arquibancada ou espaço para platéia, tenho que olhar de novo depois).

Enfim chegamos ao hotel em que ficaremos hospedados. Chama-se Anchorage Hotel, e é bem grande. A suíte em que estamos é imensa, com direito à uma cama king size. A decoração não distoa do resto da ilha, é simples e charmosa – e conta com o esqueleto montado de uma baleia. Na realidade, o hotel é bastante  chique, bem o que acho que os abastados turistas que vêm para o Caribe esperam (vimos pela internet hotéis ainda mais chiquetosos, mas fomos direcionados para cá pelo embaixador, dada sua localização – pois é o hotel mais próximo à embaixada). Os jardins são lindos e muito bem cuidados, a piscina é tão azul quanto o mar que está “logo ali”. Há uma varandinha no quarto e, se  olharmos para baixo da varanda, já estamos na praia. A praia em frente é rochosa, repleta de seixos arredondados de diversos tamanhos. (Da varanda, não vi ninguém entrando no mar o dia todo, acho que não é uma praia usada para banho, nem pelos turistas). Na baía, alguns barcos atracados.  Exaustos e famintos, jantamos no restaurante do hotel mesmo (aliás, ainda precisamos procurar outros restaurantes nos arredores).

 

Primeiro dia

Hoje cedo fui com o Thiago até a embaixada, para conhecer o caminho e o local onde ele ficaria. Vesti uma calça e uma camiseta, e seguimos, tentando (e conseguindo) ir pelo caminho certo. Não há muito o que errar, é só ir reto pela rua que passa em frente ao hotel, que chegamos lá. Não há bifurcações. No caminho, quase não há outros pedestres – às vezes, nem calçada. As vans (chamadas de ônibus) dão uma buzinadinha quando tem algum pedestre, e se recebem algum retorno (entenda-se contato visual) param para o pedestre subir. Desavisada disso, achei que um motorista estava nos cumprimentando e o cumprimentei de volta, com um sinal feito com a cabeça (que tonta! Como se estivesse fazendo sim), então o motorista parou e o cobrador abriu a porta pra gente entrar; o Thi agradeceu e negou o transporte, e seguimos caminhando. Reparei no caminho de ida, que todas as outras mulheres que cruzamos estavam vestindo saia, e achei engraçado o paralelo que meu cérebro fez do Thiago, vestindo roupa social e carregando a maleta com o laptop, com os missionarios mórmons que eu via andando pelas ruas de Mongaguá – o Thiago realmente se distinguia duplamente, pelo traje social e pela cor da pele (dãããã, e eu não? pffff). Algumas pessoas nos cumprimentaram. Passamos novamente por casas e carros com música e comentamos um pouco sobre o sotaque daqui. O Thi disse que na cabeça dele parece que a qualquer momento vai começar uma linha de baixo (como nas músicas de ragga jamaicano, que estamos acostumados a ouvir).

Reparei, desde ontem, que há algumas casas totalmente abandonadas na ilha, tomadas pela mata.  A vegetação por aqui é densa, muitas espécies parecidas com as que encontramos no Brasil. Na cidade vi: ficus, orelha de burro, zamioculcas, uma mangueira, bambus, bananeiras e uma árvore que penso ser uma pitangueira… enfim, não sei se são as próprias espécies mesmo, o fato é que os olhos não estranham a mata densa.

Assim que chegamos na embaixada (foram uns 15-20 minutos de caminhada), me despedi do Thi e comecei o caminho de volta. Na primeira esquina percebi a diferença entre andar sozinha ou acompanhada. Já na esquina um rapaz que estava do outro lado da rua mexeu comigo (não ouvi o que ele falou direito, acenei com a cabeça e continuei andando). Em frente à embaixada da Venezuela havia uma moça (também de saia); a cumprimentei e pedi licensa para conversar com ela, comentei que notei que todas mulheres que eu havia visto até então estavam de saia e questionei se era incomum pra uma mulher usar calças, fiz isto por causa do galanteio do rapaz da esquina, estava receosa de que todo o trajeto de volta fosse ser assim, por causa da minha forma de me vestir (ingenuidade minha). A moça foi muito simpática comigo, conversamos um pouco e ela me disse para ficar tranquila, que as mulheres usam sim calças e shorts em Dominica, e que não é “mal visto”. Depois vi mesmo outras mulheres usando calças e até uma moça de moto com um mini-shorts.

Realmente é bem diferente andar acompanhada ou sozinha, e achei um pouco difícil diferenciar a simpatia do galanteio… Aqui é uma cidade pequena, a população não chega a 15 mil pessoas em Roseau, então é óbvio que as pessoas se cumprimentem na rua. Fui cumprimentada por homens e mulheres, e cumprimentei de volta, mas alguns homens acharam que eu estava “dando bola” para eles, sei lá. Depois que eu respondi à um bom dia, um cara simplesmente falou: “You look like my wife and my mother” (você parece com minha mulher e minha mãe) – lógico que eu fiz uma cara de “ãnh?” e ele completentou: “I said you are good looking, you look like my wife and my mother”. Eu agradeci, virei o rosto e saí andando mais rápido.

Mais à frente, parei para fotografar uma casa e um cara simplesmente veio gritando do outro lado da rua, me pedindo para esperá-lo, como se me conhecesse. Achei que pudesse ser o dono da casa e que ia reclamar sobre a foto, mas não tinha certeza se era comigo então continuei andando. Ele veio correndo atrás de mim e ao chegar perto, me pediu um dólar (não, não era o dono da casa) eu disse que estava sem dinheiro e com pressa. Mas ele continuou puxando assunto e andando junto comigo, até que um senhor o parou, cobrando algum dinheiro dele (imagino que ele estivesse vindo da roça, com facão na mão e botas no pé). O nome deste rapaz era Free-free (“like a bird”), e ele chegou a me convidar para conhecer sua casa e suas plantas (inclusive me mostrou a chave da casa dele – apontando para o chaveiro em formato de mapa do Brasil). Ele tirou uma onda comigo, inclusive rindo muito do fato de que eu não entendia nem 30% do que ele falava (porque falava muito rápido). Ao chegar no hotel, comentei sobre o acontecido com as meninas que estavam na recepção, e elas me disseram que este é um comportamento comum, que os homens são mesmo “atirados”, mas para ficar tranquila que não há violência, e que basta dispensá-los ou, se for possível, ignorá-los.

Na varanda de uma das casas, havia um senhor bem idoso vendendo bananas e chuchu. Eu perguntei como é que eles chamavam o chuchu aqui (droga, já esqueci!) e disse como o chamamos no Brasil. O Sr. (Daddy Coco) me perguntou como preparamos o chuchu e eu descrevi a receita de chuchu refogado – ele comentou que esta é a forma como os franceses preparam o chuchu, e que aqui eles cortam o chuchu em tiras e o preparam junto com a carne ou com o peixe. A filha dele estava sentada na porta da casa, e logo deu-se início à uma rápida conversa sobre nossa vinda para cá, minhas habilidades culinárias e sobre Dominica (eles perguntaram se eu estava gostando, porque estava aqui, e eu respondi).  É assim por aqui, coisa de cidadezinha somada ao clima caribenho, os homens mais jovens são atirados e paqueradores – com todas as mulheres, e não se ofendem ao serem dispensados (ou elegantemente se retiram ao ouvir a palavra “marido”) – as mulheres são simpáticas e solícitas, as pessoas se cumprimentam, se conhecem.

Enfim, voltei para o quarto para terminar de arrumar as malas e retomar os estudos, mas não sem antes fazer uma pausinha para contar tudo isto para vocês.

Beijos, beijos.

 

Joana

 

Minha irmã recuperou uma página de um dos meus diários de viagem. Vou colocar aqui:

(desculpem, pra variar eu escrevi demais) 


O vôo

Depois de quase 19 horas de viagem (para mim) e 15 para o Thiago, chegamos no Paraíso. Apesar de longa e cansativa, a viagem foi até que tranquila (pegamso um vôo da Tam até Miami, depois um vôo da American Airlines até Porto Rico, onde nos separamos momentaneamente – Thiago seguiu com a American Eagles, associada à AA, direto para Dominica e eu vim em um vôo da Liat Airlines, com uma parada em Antigua. Fiquei em Porto Rico 3 horas, esperando o horário do vôo, e fiquei impressionada com a opulência do território Norte-americano na América Central; Porto Rico não é um ilha tão pequena… o aeroporto em San Juan (SJU) é enorme e bastante organizado. Vi muitos franceses, canadenses, porto-riquenho e muitos, muitos norte-americanos gigantes.

Na pequena aeronave da Liat, entraram alguns turistas canadenses, alguns turistas que falavam espanhol, e muitos cidadãos caribenhos. A Liat airlines faz vôs entre as ilhas, e as aeronaves vão “pingando” de ilha em ilha (o vôo 536, que eu peguei, partia de Porto Rico, passando por Antigua, Dominica e Barbados) em aeronaves do tipo Bombardier Dash 8-300, para cerca de 50 pessoas (por dentro, parece um ônibus). A moça que sentou ao meu lado no primeiro trecho, estava retornando de uma conferência de igrejas em San Juan, e cumprimentou a pelo menos umas 10 pessoas que entraram no vôo, assim como toda a equipe de bordo. Além dela, muitas pessoas se cumprimentavam como se já se conhecessem – todos, exceto os turistas.

O vôo de SJU à Antigua foi um espetáculo – logo que decolamos pude ver pela janela a cor e a tranparência do mar do caribe. Sobrevoamos muitas pequenas ilhas até chegar em Antigua (1h20 de vôo), sentei na parte da frente da aeronave, bem próxima das barulhentas hélices – não sei se há algum lugar mais silencioso… o fato é que a vibração provocada pela turbina (?) é um pouco assustadora. A comissária falava inglês, mas eu não entendi quase nada, por causa do forte sotaque. Logo que começou o desembarque, a capitã chamou a comissária e pediu para parar o desembarque, porque a aeronave estava perdendo o nível – o bagageiro estava tão pesado (no fundo) que, assim que começou a diminuir o peso da cabine, a aeronave, literalmente “empinou”. Ficamos então esperando as bagagens serem retiradas antes de poder desembarcar. Ao pisar em Antigua, já deu para sentir um pouco do clima da viagem – estava quente! Também lá foi que notei que todos eram negros, menos os turistas.

Rapidamente fizemos a conexão, e entramos novamente aeronave da Liat rumo à Dominica. Consegui sentar na janela (os lugares não são marcados), no primeiro assento do lado direito da aeronave e fiquei os 50 minutos de vôo com a cara grudada na janela. O sol estava se pondo, promovendo, com as nuvens, um fantástico espetáculo de luz e sombras sobre a superfície oceanica. Passamos por poucas ilhas pequenas e duas ilhas maiores – todas majoritariamente planas, apenas uma tinha uma modesta cordilheira de montanhas (imagino que seja Guadaloupe) e, lá do alto, consegui visualizar alguns recifes de corais.

O vôo alcançou as montanhas de Dominica exatamente às 18h, e eu fiquei literalmente de queixo caído com a beleza e a imponência das montanhas no meio do oceano. Ao sobrevoarmos a ilha, vi algumas casas, afastadas umas das outras, como na zona rural. A paisagem que vi, estava repleta de áreas cobertas com vegetação nativa, especialmente no fundo dos vales. Avistei também muitas plantações de banana em aparente monocultivo e muitas palmeiras (depois percebi que são coqueiros). A primeira impressão que tive da ilha foi justamente de que ela não é tão pequena quanto eu imaginava (difícil imaginar, são 750km2), mas ao mesmo tempo, mantinha a natureza muito mais conservada do que eu pensava…

 

A chegada

O aeroporto de Dominica é uma construção muito charmosa, feita no estilo arquitetônico local (não sei como chama), e é bem pequeno, constituído por apenas um grande salão de cerca de 60m2, lá, rapidamente passei pela imigração e retirei a mala na pequena esteira (não cabem todas as malas, então algumas pessoas tiveram a iniciativa de ir retirando as malas da esteira e acomodando-as no chão, para liberar o fluxo). Assim que passei pelas portas de saída, encontrei com o Thi – e tudo o que eu conseguia pensar era: Hello Paradise!!!

Thiago já estava na ilha desde as 15h30, e já tinha ido com o motorista da embaixada e um colega de trabalho, deixar as coisas no hotel. Não sei se ele teve tempo para fazer mais alguma coisa, mas imagino que tenha apenas feito chek-in no hotel e retornado ao aeroporto para me buscar. O aeroporto fica na parte oposta da ilha (se desenharmos um X sobre o mapa da ilha, a capital Roseau, onde estamos, fica na parte inferior esquerda, sobre a linha / e o aeroporto fica no extremo oposto, no canto superior direito – olhem no mapa: http://maps.google.com/maps?q=dominica&hl=pt-BR&ll=15.3471,-61.32019&spn=0.188715,0.308647&geocode=+&hnear=Dominica&t=m&z=12)

O Thi me apresentou o motorista Edwin, e me acomodou no banco de trás do carro (onde correira maior risco de enjoar por causa das curvas, mas eu quis ir atrás mesmo assim).  Ao virar a primeira (de MUITAS) curvas, passamos por um riacho pedregoso, lotado de aves brancas (com o porte de garças, mas diferentes). A paisagem estava deslumbrante, logo beiramos uma praia onde, ao mesmo tempo que o sol se punha para trás da gente, a lua cheia subia no horizonte, enorme!

Edwin veio respondendo às minhas tímidas perguntas (vocês me conhecem, estava cheia de curiosidade, mas tímida e por ter que perguntar com meu inglês macarrônico) e Thiago veio me contando o que já havia descoberto sobre a ilha. Como Dominica foi colonizada pela Grã Bretanha, até um passado bem passado recente (sua independência data de 3/11/1978), os carros e as vias operam na mão inglesa (o motorista fica do lado direito do carro e a mão correta para andar na via é pelo lado esquerdo). É bem estranho, como a estrada é muito sinuosa, levamos alguns sustos todas as vezes que cruzamos outros carros…

Logo percebi que não é à toa que a ilha tem o apelido de “The Nature Island of the Caribbean”, a vegetação é bastante preservada - deduzimos que isto se deu e dá justamente pelo fato do terreno ser tão acidentado (também porque há na ilha duas grandes reservas florestais, um parque nacional e um território indígena, claro, mas imagino que isto são categorias mais recentes de preservação – a ver, a ver…).

Nesta parte da ilha, as casas todas têm um padrão arquitetônico bem marcado, são casas de madeira, algumas com base de pedra, com treliças na varanda e, em sua maioria térreas. O primeiro trecho do caminho – a parte costeira, realmente dava a impressão de ser uma cidade litorânea bucólica. Com uma casinha aqui, uma fogueirinha ali, jardins bem cuidados pra todo lado…

Mais à frente, Edwin parou em uma bifurcação para perguntarnos em qual trajeto seguir, ao que o Thiago respondeu: “o mais rápido” (ainda assim, levamos cerca de uma hora para chegar ao hotel). Edwin segui à direita nesta curva, se afastando da costa e entrando em uma estrada que margeia a “Central Forest Reserve”, em um trecho com realmente poucas casas ou pessoas. A maior parte da estrada está asfaltada, mas vários trechos estão em obras – especialmente onde há aclives e declives mais acentuados. Basicamente o trajeto foi mata, curva, subida, mata, curva, subida, mata, curva, subida, mata, curva, descida, mata, curva, descida, mata, curva, descida…

Depois de muito subir e muito descer, chegamos à Canefield, já na zona periférica de Roseau, no lado esquerdo da ilha (não sei se é um bairro, um distrito ou outra cidade). Canefield já tem um jeitão mais urbano – se vc pensar numa cidade de praia, por exemplo – o declive é muito acentuado, então as casas estão encrustradas na encosta. Há uma pequena área plana, também repleta de casas. Passamos pelos primeiros comércios de todo o trajeto e por algumas mirradas plantações de cana-de-açúcar. Thiago contou que hoje há poucas plantações voltadas à produção de Rum, mas que antes havia mais. Passamos por uma construção similar à uma usina, com grandes tonéis, um barzinho, mercado, alguns bancos (todos estrangeiros) e um museu. Já havia anoitecido, algumas pessoas estavam ouvindo música nos carros, outras reunidas nas varandas das casas, mas novamente, me dei conta de que aqui, todo mundo é negro (não que eu não imaginasse antes, mas não tinha noção de como sentiria esta diferença, não é que é que nem Salvador… não, até agora não vi um branco, ou mulato que não fosse turista. Mesmo turistas, só vi no hotel, nas ruas, não vi.).

De Canefield para Roseau foram menos de cinco minutos, sempre em área bastante urbanizada. A arquitetura das casas tornou-se menos homogênea, com algumas casas “menos trabalhadas” e as casas naturalmente mais próximas umas às outras (com a notável excessão da embaixada da China, um prédio enorme que se destaca muito, em estilo bem diferente – quando der tiro uma foto para mostrar para vocês). Calçadas são raras, e ao lado da embaixada brasileira estão a rádio local, a Dowasco (companhia de água e esgoto), a embaixada da venezuela e um campo de futebol (que localmente é chamado de “stadium”, mas não vi nenhuma arquibancada ou espaço para platéia, tenho que olhar de novo depois).

Enfim chegamos ao hotel em que ficaremos hospedados. Chama-se Anchorage Hotel, e é bem grande. A suíte em que estamos é imensa, com direito à uma cama king size. A decoração não distoa do resto da ilha, é simples e charmosa – e conta com o esqueleto montado de uma baleia. Na realidade, o hotel é bastante  chique, bem o que acho que os abastados turistas que vêm para o Caribe esperam (vimos pela internet hotéis ainda mais chiquetosos, mas fomos direcionados para cá pelo embaixador, dada sua localização – pois é o hotel mais próximo à embaixada). Os jardins são lindos e muito bem cuidados, a piscina é tão azul quanto o mar que está “logo ali”. Há uma varandinha no quarto e, se  olharmos para baixo da varanda, já estamos na praia. A praia em frente é rochosa, repleta de seixos arredondados de diversos tamanhos. (Da varanda, não vi ninguém entrando no mar o dia todo, acho que não é uma praia usada para banho, nem pelos turistas). Na baía, alguns barcos atracados.  Exaustos e famintos, jantamos no restaurante do hotel mesmo (aliás, ainda precisamos procurar outros restaurantes nos arredores).

 

Primeiro dia

Hoje cedo fui com o Thiago até a embaixada, para conhecer o caminho e o local onde ele ficaria. Vesti uma calça e uma camiseta, e seguimos, tentando (e conseguindo) ir pelo caminho certo. Não há muito o que errar, é só ir reto pela rua que passa em frente ao hotel, que chegamos lá. Não há bifurcações. No caminho, quase não há outros pedestres – às vezes, nem calçada. As vans (chamadas de ônibus) dão uma buzinadinha quando tem algum pedestre, e se recebem algum retorno (entenda-se contato visual) param para o pedestre subir. Desavisada disso, achei que um motorista estava nos cumprimentando e o cumprimentei de volta, com um sinal feito com a cabeça (que tonta! Como se estivesse fazendo sim), então o motorista parou e o cobrador abriu a porta pra gente entrar; o Thi agradeceu e negou o transporte, e seguimos caminhando. Reparei no caminho de ida, que todas as outras mulheres que cruzamos estavam vestindo saia, e achei engraçado o paralelo que meu cérebro fez do Thiago, vestindo roupa social e carregando a maleta com o laptop, com os missionarios mórmons que eu via andando pelas ruas de Mongaguá – o Thiago realmente se distinguia duplamente, pelo traje social e pela cor da pele (dãããã, e eu não? pffff). Algumas pessoas nos cumprimentaram. Passamos novamente por casas e carros com música e comentamos um pouco sobre o sotaque daqui. O Thi disse que na cabeça dele parece que a qualquer momento vai começar uma linha de baixo (como nas músicas de ragga jamaicano, que estamos acostumados a ouvir).

Reparei, desde ontem, que há algumas casas totalmente abandonadas na ilha, tomadas pela mata.  A vegetação por aqui é densa, muitas espécies parecidas com as que encontramos no Brasil. Na cidade vi: ficus, orelha de burro, zamioculcas, uma mangueira, bambus, bananeiras e uma árvore que penso ser uma pitangueira… enfim, não sei se são as próprias espécies mesmo, o fato é que os olhos não estranham a mata densa.

Assim que chegamos na embaixada (foram uns 15-20 minutos de caminhada), me despedi do Thi e comecei o caminho de volta. Na primeira esquina percebi a diferença entre andar sozinha ou acompanhada. Já na esquina um rapaz que estava do outro lado da rua mexeu comigo (não ouvi o que ele falou direito, acenei com a cabeça e continuei andando). Em frente à embaixada da Venezuela havia uma moça (também de saia); a cumprimentei e pedi licensa para conversar com ela, comentei que notei que todas mulheres que eu havia visto até então estavam de saia e questionei se era incomum pra uma mulher usar calças, fiz isto por causa do galanteio do rapaz da esquina, estava receosa de que todo o trajeto de volta fosse ser assim, por causa da minha forma de me vestir (ingenuidade minha). A moça foi muito simpática comigo, conversamos um pouco e ela me disse para ficar tranquila, que as mulheres usam sim calças e shorts em Dominica, e que não é “mal visto”. Depois vi mesmo outras mulheres usando calças e até uma moça de moto com um mini-shorts.

Realmente é bem diferente andar acompanhada ou sozinha, e achei um pouco difícil diferenciar a simpatia do galanteio… Aqui é uma cidade pequena, a população não chega a 15 mil pessoas em Roseau, então é óbvio que as pessoas se cumprimentem na rua. Fui cumprimentada por homens e mulheres, e cumprimentei de volta, mas alguns homens acharam que eu estava “dando bola” para eles, sei lá. Depois que eu respondi à um bom dia, um cara simplesmente falou: “You look like my wife and my mother” (você parece com minha mulher e minha mãe) – lógico que eu fiz uma cara de “ãnh?” e ele completentou: “I said you are good looking, you look like my wife and my mother”. Eu agradeci, virei o rosto e saí andando mais rápido.

Mais à frente, parei para fotografar uma casa e um cara simplesmente veio gritando do outro lado da rua, me pedindo para esperá-lo, como se me conhecesse. Achei que pudesse ser o dono da casa e que ia reclamar sobre a foto, mas não tinha certeza se era comigo então continuei andando. Ele veio correndo atrás de mim e ao chegar perto, me pediu um dólar (não, não era o dono da casa) eu disse que estava sem dinheiro e com pressa. Mas ele continuou puxando assunto e andando junto comigo, até que um senhor o parou, cobrando algum dinheiro dele (imagino que ele estivesse vindo da roça, com facão na mão e botas no pé). O nome deste rapaz era Free-free (“like a bird”), e ele chegou a me convidar para conhecer sua casa e suas plantas (inclusive me mostrou a chave da casa dele – apontando para o chaveiro em formato de mapa do Brasil). Ele tirou uma onda comigo, inclusive rindo muito do fato de que eu não entendia nem 30% do que ele falava (porque falava muito rápido). Ao chegar no hotel, comentei sobre o acontecido com as meninas que estavam na recepção, e elas me disseram que este é um comportamento comum, que os homens são mesmo “atirados”, mas para ficar tranquila que não há violência, e que basta dispensá-los ou, se for possível, ignorá-los.

Na varanda de uma das casas, havia um senhor bem idoso vendendo bananas e chuchu. Eu perguntei como é que eles chamavam o chuchu aqui (droga, já esqueci!) e disse como o chamamos no Brasil. O Sr. (Daddy Coco) me perguntou como preparamos o chuchu e eu descrevi a receita de chuchu refogado – ele comentou que esta é a forma como os franceses preparam o chuchu, e que aqui eles cortam o chuchu em tiras e o preparam junto com a carne ou com o peixe. A filha dele estava sentada na porta da casa, e logo deu-se início à uma rápida conversa sobre nossa vinda para cá, minhas habilidades culinárias e sobre Dominica (eles perguntaram se eu estava gostando, porque estava aqui, e eu respondi).  É assim por aqui, coisa de cidadezinha somada ao clima caribenho, os homens mais jovens são atirados e paqueradores – com todas as mulheres, e não se ofendem ao serem dispensados (ou elegantemente se retiram ao ouvir a palavra “marido”) – as mulheres são simpáticas e solícitas, as pessoas se cumprimentam, se conhecem.

Enfim, voltei para o quarto para terminar de arrumar as malas e retomar os estudos, mas não sem antes fazer uma pausinha para contar tudo isto para vocês.

Beijos, beijos.


Joana

15.8.22

Clarice Lispector, senhoras e senhores

E eis que em breve nos separaremos

E a verdade espantada é que eu sempre estive só de ti e não sabia

Eu agora sei, eu sou só

Eu e minha liberdade que não sei usar

Mas, eu assumo a minha solidão

Sou só, e tenho que viver uma certa glória íntima e silenciosa

Guardo teu nome em segredo

Preciso de segredos para viver

E eis que depois de uma tarde de quem sou eu

E de acordar a uma hora da madrugada em desespero

Eis que as três horas da madrugada, acordei e me encontrei

Fui ao encontro de mim, calma, alegre, plenitude sem fulminação

Simplesmente eu sou eu, e você é você

É lindo, é vasto, vai durar

Eu não sei muito bem o que vou fazer em seguida

Mas, por enquanto, olha pra mim e me ama

Não, tu olhas pra ti e te amas

É o que está certo

Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca

E tudo isso ganhei ao deixar de te amar

Escuta! Eu te deixo ser… Deixa-me ser!


30.3.21

Desafinado - pronunciation

 Some friends asked me to help them learn how to pronouce the words of the song Desafinado more correcty, so we did this:

Desafinado
De-zuh-fee-nah-doo 
(Antonio Carlos Jobim)

Se você disser que eu desafino, amor
See vo-say diss-air ki-e-oh de-zuh-fee-no a-more

Saiba que isso em mim provoca imensa dor
Sigh-ba ki-issu aim-meen pro-vo-ka ee-main-sa-dor

Só privilegiados têm ouvido igual ao seu
Saw pree-vee-lai-gi-a-dos taim oh-vee-do ee-gwal aw sau

Eu possuo apenas o que Deus me deu
Aye-oh pos-sue-o a-pe-nas o key day-os mi day-oh

Se você insiste em classificar
See vo-say in-seez-te in cla-see-fee-car

meu comportamento de anti-musical
Meaw com-por-tah-main-to djan-tee-mu-zee-cow

Eu mesmo mentindo Devo argumentar
Eh-oh mesmo main-teen-do day-voo/ar-goo-main-tar

Que isto é bossa nova Que isto é muito natural
Kee-ssu é* baw-ssa naw-va, kee is-tue eh moo-ee-tu na-tour owl

O que você não sabe nem sequer pressente
Uh kee vo-say naum sa-bee, naim see-care pre-saint(ee)

é que os desafinados também têm um coração
É* kee ooz de-zuh-fee-na-dooz tum-bain tain oom co-raw-ssaum

Fotografei você na minha Rolleyflex
Pho-to-gra-phay vo-say nah mee-in-ah holey-flex

Revelou-se a sua enorme ingratidão
Hay-vay-lowz ya Sue-nowr-meen-gra-tee-daum 

Só não poderá falar assim do meu amor
Saw naum pow-deh-ra pha-lar a-seen dough/meaw ah-mor

Ele é o maior que você pode encontrar, viu
A-lee é oo má-ee-ore kee vo-say paw-djee ain-con-trar, veal

Você com sua música esqueceu o principal
Vo-say com Sue-ah mooz-ee-kah-ezz-kay-say-oo preen-see-paw

Que no peito dos desafinados
Ki noo pay-tuh dooz de-zuh-fee-na-dooz 

No fundo do peito, bate calado
Nue phoon-doo doo pay-tuh bah-tee ka-la-doo

No peito dos desafinados também bate um coração
Noo pay-tuh dooz de-zuh-fee-na-dooz tum-bain ba-tee oom co-raw-ssaum

*(é) pronouces like “air”, but without the “R” sound

28.10.20

 

Buscar a felicidade na escuridão
Tal qual uma raiz, revolvendo a terra
ouvir a Leila Pinheiro
sambar com Paulinho
Conversinha com papai
Escrever quinenqui igual ele
Ouvir os trovadores
Amigos chegarem de surpresa
Minha filha cantando, 
meu filho no mar
Alegrias são tantas
Trabalho, existe
E deixar sair um chorinho, 
que não é nenhum pecado


13.3.13

Da minha paixão por listas e tendência à procrastinação

Dispostos desordenadamente sobre a minha superfície estendida estão:

dois fones de ouvidos
um estojo de canetas
uma caderno pautado, e sobre ele outra caneta
uma aliança falsa
um gravador, com cerca de 30 horas da minha vida na memória
um computador, no qual digito agora
cabos conectores
uma pilha com três cadernos fechados, um livro e uma cópia xerox de um texto indiano
um pacote de cigarros
óculos de sol
cosméticos para secar o pé e molhar o nariz
pomada para matar micoses
um bonito edifício erguido com andares de livros com capas coloridas
um vaso, com um pouquinho de vida
um par de óculos de grau
duas canecas e um copo
6875 músicas, movidas à eletricidade
um shorts jeans
uma camiseta
roupas íntimas
uma atmosfera úmida, flexível e quente
um abajour
uma tesoura
um apontador
protetor solar


2.10.12

Elvira Matilde

Desde que eu mudei para Brasília eu achava um desperdício tanta área verde e tão pouca gente a usando. Eu pensava que um dia iria criar o hábito de descer, tomar sol, ler um livro... enfim... Desde que estou "a toa" em casa, tenho frequentado mais a área verde daqui da quadra - sempre de passagem, é verdade - mas também é verdade que minhas passagens até o mercadinho ou até a manicure têm sido cada vez maiores (vocês me conhecem, basta um passarinho, algumas plantas diferentes ou um mísero ipê florido pra me distrair por pelo menos cinco minutos).
Hoje eu e o Thi saímos de casa cedo para ir fazer SUP no lago. Acordamos cedo (1º milagre do dia), tomamos café em casa (dadas as atuais circunstâncias, este pode ser considerado o 2º), passei protetor (não, não consegui o 3º milagre em tão curto tempo, o Thi foi sem protetor mesmo...), coloquei o biquini, vesti aquela minha saída de praia que comprei no bazar da Elvira Matilde, e fomos para o lago. Chegamos no clube no horário marcado (4º milagre) e esperamos bastante pela moça que nos entregaria as pranchas alugadas. Esperamos até desistir. Deixei o Thi no trabalho e voltei para casa de carro, biquini e protetor passado.
Sem obrigação de cumprir horário em nenhum lugar e com a intenção de aproveitar o tempo e estudar um pouco, subi, peguei um livro e me mandei pro jardim que tem bem aqui na frente do prédio entre um bloco e outro, mas de certa forma afastado da L2 (avenida vizinha aqui de casa) e fora de qualquer rota de passagem (a não ser que seu destino seja o Bloco K ou o L). Ao encontrar uma boa área ensolarada, estendi a toalha, tirei o vestido, deitei sob o sol e comecei a ler - praticamente a realização de um sonho.
Bem, o importante é que em determinado momento, duas senhoras passam pelo jardim colhendo os abacates que já estão começando a cair dos galhos. Elas começam a fazer alguma algazarra e eu me sento para saber o que está acontecendo. Acabo por estabelecer contato visual com uma delas. Ela acena, eu aceno de volta e logo elas estão do meu lado, perguntando se não chamava muita atenção eu ficar ali de biquini... Bom, papo vai e vem, rapidamente elas simpatizaram com a minha atitude e começamos a conversar, sem o elefante branco (aka, meu corpo de fora) entre nós. Nisso, descobri que elas são pessoas interessantíssimas. Uma delas - a Dona Elvira - é viúva de um antigo ex adido militar do cairo, e me prometeu contar várias histórias sobre a vida em um país árabe e sobre os lugares onde ela morou e pôde desfrutar do que diz ser "uma verdadeira democracia". A outra - Dona Matilde - é paulista de Santo Amaro, meu; e ela está em Brasília pra ajudar o filho que trabalha na UnB a ajeitar a mudança. Ao nos despedirmos, elas me presentearam com dois dos abacates e combinamos um horário para tomar sol amanhã, dessa vez, elas vêm de biquini.

14.11.11

mais valter hugo mãe, mesmo livro

éramos por igual todos cidadãos da mesma coisa. a andar para a frente com os instintos de sobrevivência a postos como antenas. eis a emissão certa, a propaganda que não podíamos dispensar, sobreviver, segurarmo-nos, e aos nossos, e abrir caminho até morte dentro. essa é que era a essência possível da felicidade, aguentar enquanto desse.

valter hugo mãe - a máquina de fazer espanhóis

com a morte, tudo o que respeita a quem morreu devia ser erradicado, para que aos vivos o fardo não se torne desumano. esse é o limite, a desumanindade de se perder quem não se pode perder. foi como se me dissessem, senhor silva, vamos levar-lhes os braços e as pernas, vamos levar-lhe os olhos e perderá a voz, talvez lhe deixemos os pulmões, mas teremos que levar o coração, e lamentamos muito, ms não lhe será permitida qualquer felicidade de agora em diante.

13.10.10

Os jogos da memória

Em Halbwachs, as noções de tempo e espaço são estruturantes dos quadros sociais da memória, ambos instâncias solidárias entre si, fundamentais para a rememoração do passado na medida em que as localizações espaciais e temporais das lembranças são a essência da memória. Nada escapa, nem mesmo a memória, a esta trama de consolidação das estruturas espaço-temporais que configuram a existência social, uma vez que é da combinação dos seus diversos elementos, através da linguagem, que pode emergir a lembrança das memórias individuais.

Halbwachs reconhece, de muitos modos, a vibração do tempo no conteúdo material das lembranças, atribuindo à memória o princípio “intencional” e “imaterial” de uma coordenação entre as diferentes temporalidades e as regiões do espaço em que se produzem, visto serem as lembranças solidárias das regiões da experiência social, as quais, por sua vez, lhe são irredutíveis. (...) O Tempo revela-se cada vez mais como duração, preenchido por falhas e lacunas, fenômeno que reflete o arranjo da matéria pela vida, o que lhe permite referir que a memória, na linha do que afirmará Bachelard posteriormente, é tributária da sinergia de múltiplas causalidades, tanto formal quanto material, e onde o fluxo temporal contínuo da consciência, proposto pelo bergsonismo, se esvanece.

Neste sentido, a memória não se configura apenas num tradicionalismo de cunho nostálgico e sentimental, mas nos mitos, saberes, fazeres e tradições que são perenizados, ordinariamente, no interior das manifestações culturais humanas, a contragosto das intimações objetivas de um devir, “numa seqüência de fixações no espaço da estabilidade do ser”.

(Ana Rocha e Cornélia Eckert. Os jogos da memória. Revista Ilha, n.1. Florianópolis, dezembro de 2000, p. 71-84)