Minha irmã recuperou uma
página de um dos meus diários de viagem. Vou colocar aqui:
(desculpem, pra variar eu
escrevi demais)
O vôo
Depois de quase 19
horas de viagem (para mim) e 15 para o Thiago, chegamos no Paraíso. Apesar de
longa e cansativa, a viagem foi até que tranquila (pegamso um vôo da Tam até
Miami, depois um vôo da American Airlines até Porto Rico, onde nos separamos
momentaneamente – Thiago seguiu com a American Eagles, associada à AA, direto
para Dominica e eu vim em um vôo da Liat Airlines, com uma parada em Antigua.
Fiquei em Porto Rico 3 horas, esperando o horário do vôo, e fiquei
impressionada com a opulência do território Norte-americano na América Central;
Porto Rico não é um ilha tão pequena… o aeroporto em San Juan (SJU) é enorme e
bastante organizado. Vi muitos franceses, canadenses, porto-riquenho e muitos,
muitos norte-americanos gigantes.
Na pequena aeronave da
Liat, entraram alguns turistas canadenses, alguns turistas que falavam
espanhol, e muitos cidadãos caribenhos. A Liat airlines faz vôs entre as ilhas,
e as aeronaves vão “pingando” de ilha em ilha (o vôo 536, que eu peguei, partia
de Porto Rico, passando por Antigua, Dominica e Barbados) em aeronaves do tipo
Bombardier Dash 8-300, para cerca de 50 pessoas (por dentro, parece um ônibus).
A moça que sentou ao meu lado no primeiro trecho, estava retornando de uma
conferência de igrejas em San Juan, e cumprimentou a pelo menos umas 10 pessoas
que entraram no vôo, assim como toda a equipe de bordo. Além dela, muitas
pessoas se cumprimentavam como se já se conhecessem – todos, exceto os
turistas.
O vôo de SJU à Antigua
foi um espetáculo – logo que decolamos pude ver pela janela a cor e a
tranparência do mar do caribe. Sobrevoamos muitas pequenas ilhas até chegar em
Antigua (1h20 de vôo), sentei na parte da frente da aeronave, bem próxima das
barulhentas hélices – não sei se há algum lugar mais silencioso… o fato é que a
vibração provocada pela turbina (?) é um pouco assustadora. A comissária falava
inglês, mas eu não entendi quase nada, por causa do forte sotaque. Logo que
começou o desembarque, a capitã chamou a comissária e pediu para parar o
desembarque, porque a aeronave estava perdendo o nível – o bagageiro estava tão
pesado (no fundo) que, assim que começou a diminuir o peso da cabine, a
aeronave, literalmente “empinou”. Ficamos então esperando as bagagens serem
retiradas antes de poder desembarcar. Ao pisar em Antigua, já deu para sentir
um pouco do clima da viagem – estava quente! Também lá foi que notei que todos
eram negros, menos os turistas.
Rapidamente fizemos a
conexão, e entramos novamente aeronave da Liat rumo à Dominica. Consegui sentar
na janela (os lugares não são marcados), no primeiro assento do lado direito da
aeronave e fiquei os 50 minutos de vôo com a cara grudada na janela. O sol
estava se pondo, promovendo, com as nuvens, um fantástico espetáculo de luz e
sombras sobre a superfície oceanica. Passamos por poucas ilhas pequenas e duas
ilhas maiores – todas majoritariamente planas, apenas uma tinha uma modesta
cordilheira de montanhas (imagino que seja Guadaloupe) e, lá do alto, consegui
visualizar alguns recifes de corais.
O vôo alcançou as
montanhas de Dominica exatamente às 18h, e eu fiquei literalmente de queixo
caído com a beleza e a imponência das montanhas no meio do oceano. Ao
sobrevoarmos a ilha, vi algumas casas, afastadas umas das outras, como na zona
rural. A paisagem que vi, estava repleta de áreas cobertas com vegetação
nativa, especialmente no fundo dos vales. Avistei também muitas plantações de
banana em aparente monocultivo e muitas palmeiras (depois percebi que são
coqueiros). A primeira impressão que tive da ilha foi justamente de que ela não
é tão pequena quanto eu imaginava (difícil imaginar, são 750km2),
mas ao mesmo tempo, mantinha a natureza muito mais conservada do que eu
pensava…
A chegada
O aeroporto de
Dominica é uma construção muito charmosa, feita no estilo arquitetônico local
(não sei como chama), e é bem pequeno, constituído por apenas um grande salão
de cerca de 60m2, lá, rapidamente passei pela imigração e retirei a
mala na pequena esteira (não cabem todas as malas, então algumas pessoas
tiveram a iniciativa de ir retirando as malas da esteira e acomodando-as no
chão, para liberar o fluxo). Assim que passei pelas portas de saída, encontrei
com o Thi – e tudo o que eu conseguia pensar era: Hello Paradise!!!
Thiago já estava na
ilha desde as 15h30, e já tinha ido com o motorista da embaixada e um colega de
trabalho, deixar as coisas no hotel. Não sei se ele teve tempo para fazer mais
alguma coisa, mas imagino que tenha apenas feito chek-in no hotel e retornado
ao aeroporto para me buscar. O aeroporto fica na parte oposta da ilha (se
desenharmos um X sobre o mapa da ilha, a capital Roseau, onde estamos, fica na
parte inferior esquerda, sobre a linha / e o aeroporto fica no extremo oposto,
no canto superior direito – olhem no mapa: http://maps.google.com/maps?q=dominica&hl=pt-BR&ll=15.3471,-61.32019&spn=0.188715,0.308647&geocode=+&hnear=Dominica&t=m&z=12)
O Thi me apresentou o
motorista Edwin, e me acomodou no banco de trás do carro (onde correira maior
risco de enjoar por causa das curvas, mas eu quis ir atrás mesmo assim).
Ao virar a primeira (de MUITAS) curvas, passamos por um riacho pedregoso, lotado
de aves brancas (com o porte de garças, mas diferentes). A paisagem estava
deslumbrante, logo beiramos uma praia onde, ao mesmo tempo que o sol se punha
para trás da gente, a lua cheia subia no horizonte, enorme!
Edwin veio respondendo
às minhas tímidas perguntas (vocês me conhecem, estava cheia de curiosidade,
mas tímida e por ter que perguntar com meu inglês macarrônico) e Thiago veio me
contando o que já havia descoberto sobre a ilha. Como Dominica foi colonizada
pela Grã Bretanha, até um passado bem passado recente (sua independência data
de 3/11/1978), os carros e as vias operam na mão inglesa (o motorista fica do
lado direito do carro e a mão correta para andar na via é pelo lado esquerdo).
É bem estranho, como a estrada é muito sinuosa, levamos alguns sustos todas as
vezes que cruzamos outros carros…
Logo percebi que não é
à toa que a ilha tem o apelido de “The Nature Island of the Caribbean”, a
vegetação é bastante preservada - deduzimos que isto se deu e dá justamente
pelo fato do terreno ser tão acidentado (também porque há na ilha duas grandes
reservas florestais, um parque nacional e um território indígena, claro, mas
imagino que isto são categorias mais recentes de preservação – a ver, a ver…).
Nesta parte da ilha,
as casas todas têm um padrão arquitetônico bem marcado, são casas de madeira,
algumas com base de pedra, com treliças na varanda e, em sua maioria térreas. O
primeiro trecho do caminho – a parte costeira, realmente dava a impressão de
ser uma cidade litorânea bucólica. Com uma casinha aqui, uma fogueirinha ali,
jardins bem cuidados pra todo lado…
Mais à frente, Edwin
parou em uma bifurcação para perguntarnos em qual trajeto seguir, ao que o
Thiago respondeu: “o mais rápido” (ainda assim, levamos cerca de uma hora para
chegar ao hotel). Edwin segui à direita nesta curva, se afastando da costa e entrando
em uma estrada que margeia a “Central Forest Reserve”, em um trecho com
realmente poucas casas ou pessoas. A maior parte da estrada está asfaltada, mas
vários trechos estão em obras – especialmente onde há aclives e declives mais
acentuados. Basicamente o trajeto foi mata, curva, subida, mata, curva, subida,
mata, curva, subida, mata, curva, descida, mata, curva, descida, mata, curva,
descida…
Depois de muito subir
e muito descer, chegamos à Canefield, já na zona periférica de Roseau, no lado
esquerdo da ilha (não sei se é um bairro, um distrito ou outra cidade).
Canefield já tem um jeitão mais urbano – se vc pensar numa cidade de praia, por
exemplo – o declive é muito acentuado, então as casas estão encrustradas na
encosta. Há uma pequena área plana, também repleta de casas. Passamos pelos
primeiros comércios de todo o trajeto e por algumas mirradas plantações de
cana-de-açúcar. Thiago contou que hoje há poucas plantações voltadas à produção
de Rum, mas que antes havia mais. Passamos por uma construção similar à uma
usina, com grandes tonéis, um barzinho, mercado, alguns bancos (todos
estrangeiros) e um museu. Já havia anoitecido, algumas pessoas estavam ouvindo
música nos carros, outras reunidas nas varandas das casas, mas novamente, me
dei conta de que aqui, todo mundo é negro (não que eu não imaginasse antes, mas
não tinha noção de como sentiria esta diferença, não é que é que nem Salvador…
não, até agora não vi um branco, ou mulato que não fosse turista. Mesmo
turistas, só vi no hotel, nas ruas, não vi.).
De Canefield para
Roseau foram menos de cinco minutos, sempre em área bastante urbanizada. A
arquitetura das casas tornou-se menos homogênea, com algumas casas “menos
trabalhadas” e as casas naturalmente mais próximas umas às outras (com a
notável excessão da embaixada da China, um prédio enorme que se destaca muito,
em estilo bem diferente – quando der tiro uma foto para mostrar para vocês).
Calçadas são raras, e ao lado da embaixada brasileira estão a rádio local, a
Dowasco (companhia de água e esgoto), a embaixada da venezuela e um campo de
futebol (que localmente é chamado de “stadium”, mas não vi nenhuma arquibancada
ou espaço para platéia, tenho que olhar de novo depois).
Enfim chegamos ao
hotel em que ficaremos hospedados. Chama-se Anchorage Hotel, e é bem grande. A
suíte em que estamos é imensa, com direito à uma cama king size. A decoração
não distoa do resto da ilha, é simples e charmosa – e conta com o esqueleto
montado de uma baleia. Na realidade, o hotel é bastante chique, bem o que
acho que os abastados turistas que vêm para o Caribe esperam (vimos pela
internet hotéis ainda mais chiquetosos, mas fomos direcionados para cá pelo
embaixador, dada sua localização – pois é o hotel mais próximo à embaixada). Os
jardins são lindos e muito bem cuidados, a piscina é tão azul quanto o mar que
está “logo ali”. Há uma varandinha no quarto e, se olharmos para baixo da
varanda, já estamos na praia. A praia em frente é rochosa, repleta de seixos
arredondados de diversos tamanhos. (Da varanda, não vi ninguém entrando no mar
o dia todo, acho que não é uma praia usada para banho, nem pelos turistas). Na
baía, alguns barcos atracados. Exaustos e famintos, jantamos no restaurante
do hotel mesmo (aliás, ainda precisamos procurar outros restaurantes nos
arredores).
Primeiro dia
Hoje cedo fui com o
Thiago até a embaixada, para conhecer o caminho e o local onde ele ficaria.
Vesti uma calça e uma camiseta, e seguimos, tentando (e conseguindo) ir pelo
caminho certo. Não há muito o que errar, é só ir reto pela rua que passa em
frente ao hotel, que chegamos lá. Não há bifurcações. No caminho, quase não há
outros pedestres – às vezes, nem calçada. As vans (chamadas de ônibus) dão uma
buzinadinha quando tem algum pedestre, e se recebem algum retorno (entenda-se
contato visual) param para o pedestre subir. Desavisada disso, achei que um
motorista estava nos cumprimentando e o cumprimentei de volta, com um sinal
feito com a cabeça (que tonta! Como se estivesse fazendo sim), então o
motorista parou e o cobrador abriu a porta pra gente entrar; o Thi agradeceu e
negou o transporte, e seguimos caminhando. Reparei no caminho de ida, que todas
as outras mulheres que cruzamos estavam vestindo saia, e achei engraçado o
paralelo que meu cérebro fez do Thiago, vestindo roupa social e carregando a maleta
com o laptop, com os missionarios mórmons que eu via andando pelas ruas de
Mongaguá – o Thiago realmente se distinguia duplamente, pelo traje social e
pela cor da pele (dãããã, e eu não? pffff). Algumas pessoas nos cumprimentaram.
Passamos novamente por casas e carros com música e comentamos um pouco sobre o
sotaque daqui. O Thi disse que na cabeça dele parece que a qualquer momento vai
começar uma linha de baixo (como nas músicas de ragga jamaicano, que estamos
acostumados a ouvir).
Reparei, desde ontem,
que há algumas casas totalmente abandonadas na ilha, tomadas pela mata. A
vegetação por aqui é densa, muitas espécies parecidas com as que encontramos no
Brasil. Na cidade vi: ficus, orelha de burro, zamioculcas, uma mangueira,
bambus, bananeiras e uma árvore que penso ser uma pitangueira… enfim, não sei
se são as próprias espécies mesmo, o fato é que os olhos não estranham a mata
densa.
Assim que chegamos na
embaixada (foram uns 15-20 minutos de caminhada), me despedi do Thi e comecei o
caminho de volta. Na primeira esquina percebi a diferença entre andar sozinha
ou acompanhada. Já na esquina um rapaz que estava do outro lado da rua mexeu
comigo (não ouvi o que ele falou direito, acenei com a cabeça e continuei
andando). Em frente à embaixada da Venezuela havia uma moça (também de saia); a
cumprimentei e pedi licensa para conversar com ela, comentei que notei que
todas mulheres que eu havia visto até então estavam de saia e questionei se era
incomum pra uma mulher usar calças, fiz isto por causa do galanteio do rapaz da
esquina, estava receosa de que todo o trajeto de volta fosse ser assim, por
causa da minha forma de me vestir (ingenuidade minha). A moça foi muito
simpática comigo, conversamos um pouco e ela me disse para ficar tranquila, que
as mulheres usam sim calças e shorts em Dominica, e que não é “mal visto”.
Depois vi mesmo outras mulheres usando calças e até uma moça de moto com um
mini-shorts.
Realmente é bem
diferente andar acompanhada ou sozinha, e achei um pouco difícil diferenciar a
simpatia do galanteio… Aqui é uma cidade pequena, a população não chega a 15
mil pessoas em Roseau, então é óbvio que as pessoas se cumprimentem na rua. Fui
cumprimentada por homens e mulheres, e cumprimentei de volta, mas alguns homens
acharam que eu estava “dando bola” para eles, sei lá. Depois que eu respondi à
um bom dia, um cara simplesmente falou: “You look like my wife and my mother”
(você parece com minha mulher e minha mãe) – lógico que eu fiz uma cara de
“ãnh?” e ele completentou: “I said you are good looking, you look like my wife
and my mother”. Eu agradeci, virei o rosto e saí andando mais rápido.
Mais à frente, parei
para fotografar uma casa e um cara simplesmente veio gritando do outro lado da
rua, me pedindo para esperá-lo, como se me conhecesse. Achei que pudesse ser o
dono da casa e que ia reclamar sobre a foto, mas não tinha certeza se era comigo
então continuei andando. Ele veio correndo atrás de mim e ao chegar perto, me
pediu um dólar (não, não era o dono da casa) eu disse que estava sem dinheiro e
com pressa. Mas ele continuou puxando assunto e andando junto comigo, até que
um senhor o parou, cobrando algum dinheiro dele (imagino que ele estivesse
vindo da roça, com facão na mão e botas no pé). O nome deste rapaz era
Free-free (“like a bird”), e ele chegou a me convidar para conhecer sua casa e
suas plantas (inclusive me mostrou a chave da casa dele – apontando para o
chaveiro em formato de mapa do Brasil). Ele tirou uma onda comigo, inclusive
rindo muito do fato de que eu não entendia nem 30% do que ele falava (porque
falava muito rápido). Ao chegar no hotel, comentei sobre o acontecido com as
meninas que estavam na recepção, e elas me disseram que este é um comportamento
comum, que os homens são mesmo “atirados”, mas para ficar tranquila que não há
violência, e que basta dispensá-los ou, se for possível, ignorá-los.
Na varanda de uma das
casas, havia um senhor bem idoso vendendo bananas e chuchu. Eu perguntei como é
que eles chamavam o chuchu aqui (droga, já esqueci!) e disse como o chamamos no
Brasil. O Sr. (Daddy Coco) me perguntou como preparamos o chuchu e eu descrevi
a receita de chuchu refogado – ele comentou que esta é a forma como os
franceses preparam o chuchu, e que aqui eles cortam o chuchu em tiras e o
preparam junto com a carne ou com o peixe. A filha dele estava sentada na porta
da casa, e logo deu-se início à uma rápida conversa sobre nossa vinda para cá,
minhas habilidades culinárias e sobre Dominica (eles perguntaram se eu estava
gostando, porque estava aqui, e eu respondi). É assim por aqui, coisa de
cidadezinha somada ao clima caribenho, os homens mais jovens são atirados e
paqueradores – com todas as mulheres, e não se ofendem ao serem dispensados (ou
elegantemente se retiram ao ouvir a palavra “marido”) – as mulheres são
simpáticas e solícitas, as pessoas se cumprimentam, se conhecem.
Enfim, voltei para o
quarto para terminar de arrumar as malas e retomar os estudos, mas não sem
antes fazer uma pausinha para contar tudo isto para vocês.
Beijos, beijos.
Joana